2019/09/01 – As emoções também vão à escola!

Os alunos do estado do Oregon nos Estados Unidos da América, quando voltarem à escola, poderão invocar razões de saúde mental para justificar faltas pontuais. Trata-se, na realidade, do reconhecimento do impacto negativo que as questões de saúde mental exercem no microssistema escolar e no macrossistema social, colocando-as pelo menos ao mesmo nível das de ordem física. Deixará de ser necessário fingir uma grande dor de barriga ou colocar o termómetro na luz para aquecer!…

Partindo desta premissa, parece-nos fulcral, reconhecer o papel que a escola detém, como agente de desenvolvimento pessoal e social. O contexto de crescentes desafios, como o insucesso escolar, a indisciplina e principalmente a necessidade de adaptação a uma nova realidade social, deverá motivar a adoção de práticas nas escolas que concorram para o crescimento global dos alunos, para o estabelecimento de um clima de escola positivo e, consequentemente, para o desenvolvimento de cidadãos críticos, participativos e principalmente mais felizes.

Como?

Adotando um conjunto de estratégias que valorizem a componente socioemocional através de diversas abordagens:
– Criando conteúdos específicos para o desenvolvimento das competências de forma explícita;
– Dotando/sensibilizando os professores e educadores para a adoção de práticas e metodologias assentes no conhecimento acerca do desenvolvimento infantojuvenil e das investigações oriundas de ciências como a neurologia;
– Integrando os conteúdos da aprendizagem socioemocional no curriculum das disciplinas;
– Promovendo estratégias organizacionais, ao nível dos projetos educativos e do plano anual de atividades, que valorizem um clima e cultura de escola facilitador da aprendizagem;
– Promovendo uma avaliação sistemática dos impactos das medidas adotadas.
Esta mudança só é possível quando se valorizar, verdadeiramente, a componente social e emocional, colocando-a ao mesmo nível da componente estritamente cognitiva. No fundo, é reconhecer que o conhecimento está longe de se esgotar num teste que se faz num dia e hora marcada…

Que competências devemos ensinar?

De acordo com o CASEL (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning), entidade fundada por diversos notáveis e académicos entre os quais, Daniel Goleman – autor entre outros, de Inteligência Emocional – “a aprendizagem socio-emocional é o processo através do qual cada pessoa (criança/adulto) interpreta e gere as suas emoções, define e alcança os seus objetivos, sente e demonstra empatia pelos outros, estabelece e mantem relações positivas e toma decisões responsáveis”.

Partindo deste enquadramento, o CASEL identifica 5 competências centrais para o bem-estar socioemocional, que se detalham em seguida:
– Consciência de Si: reconhecimento das suas emoções e valores bem como o seu impacto no seu comportamento. Isto inclui a capacidade de avaliar as suas limitações e potencialidades. Envolve confiança e otimismo;
– Gestão pessoal: capacidade de regular as suas emoções, pensamentos e comportamento. Inclui a gestão do stress, o controlo de impulsos, capacidade de se motivar bem como a definição de objetivos pessoais e sociais (académicos/profissionais).
– Consciência social: capacidade de ser empático, entender os diversos pontos de vista com o intuito de compreender as normas éticas e sociais para o comportamento, bem como reconhecer os diversos recursos disponíveis (familiares, escolares e comunitários).
– Competências interpessoais: capacidade de estabelecer e manter relações saudáveis. Isto inclui comunicar claramente, escuta ativa, cooperar, resistir à pressão social negativa, negociar construtivamente, bem como procurar e dispor-se a ajudar quando necessário.
– Tomada de decisão responsável: capacidade de tomar decisões construtivas acerca do seu comportamento pessoal e ter interações sociais assentes em pressupostos éticos, normas sociais e preocupações de segurança, tendo em consideração uma avaliação realista das consequências dos diversos atos, bem como o bem-estar pessoal e dos outros. 

Numa sociedade do “culto do eu primeiro”, uma ética da compaixão e as denominadas “soft skills” – resiliência, empatia, capacidade de colaborar com os outros… -, afiguram-se como constituintes decisivos para o desenvolvimento de uma sociedade com mais saúde mental e consequentemente, mais apta para aprender. Neste contexto, o sistema escolar constitui-se como elemento preponderante para o crescimento pessoal e social, quer pelo facto das crianças e jovens lá passarem muito tempo, quer pela sua missão inerente.

Diferentes autores identificam outras competências como centrais ao desenvolvimento, não obstante, os diversos estudos demonstram impactos positivos da implementação destes programas de desenvolvimento socioemocional e cognitivo, na diminuição dos conflitos e no incremento dos resultados escolares. Constituindo-se, em muitos casos, como melhores preditores do sucesso financeiro e social do que o próprio QI.

Diogo Fazenda – Psicólogo Clínico 
CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão
Texto publicado pelo Público em 01/09/2019

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