2015/11/13 – “Mãe, pai… tenho (tanto) medo de…”

Enquanto pais e cuidadores é frequente ouvirmos os nossos filhos a relatar e descrever os seus medos: como estes se apresentam, contextos em que surgem e de como os deixam vulneráveis e assustados.

Podemos dizer-lhes que eles podem descansar pois o medo, quando se apresenta desta forma, sucede de um contexto normal de desenvolvimento. Ter medo é inerente à condição humana e é uma resposta frequente e adaptativa perante ameaças reais ou imaginárias. Na verdade, é normativo que assim o seja, na medida em que o medo é, indiscutivelmente, um aspecto adaptativo do desenvolvimento que avisa e prepara o organismo para o perigo, orientando-o para a fuga, para o evitamento e para a sua prevenção.

As crianças, na sua maioria, manifestam medos transitórios, típicos de determinada idade e que se dissipam naturalmente ao longo do seu desenvolvimento. Numa perspectiva desenvolvimentista, e num contexto do desenvolvimento normativo, ou seja, normal, os medos infantis mais frequentes – e que afectam cerca de 40 a 45% das crianças – e fases de desenvolvimento em que habitualmente surgem são:
• No primeiro ano de vida, os ruídos, as alturas, as pessoas que lhes são estranhas, bem como os objectos são, a par da separação das figuras de vinculação, os grandes medos das crianças dos 0 aos 12 meses;
• As crianças com 1 ano aos 2 anos e meio começam a recear outro tipo de fenómenos como as tempestades naturais ou pequenos animais e insectos;
• Dos 2 aos 6 anos, a imaginação das crianças começa a crescer, tal como os seus temores quanto ao real – como ficar só ou de animais em geral – como do abstracto, seja o conhecido “medo do escuro” ou de seres imaginários;
• Dos 6 aos 11 anos, são as agressões, assaltos, raptos e mesmo o desempenho escolar as grandes fontes de receio das crianças;
• A primeira pegada na pré-adolescência, dos 11 aos 13 anos, marca também os primeiros medos do foro social, nomeadamente os relacionamentos interpessoais e a auto-imagem;
• Já entre os 13 e 18 anos, a sexualidade e a autonomia são o denominador comum em matéria de medos em plena e pós-adolescência.
Facto é que o desaparecimento gradual dos medos é resultado da maturidade emocional, da aquisição de novas habilidades e de competências cognitivas e motoras, bem como das suas aprendizagens durante a vida.

Quando tal assim não acontece, poderemos estar perante um processo de ansiedade patológica e esta distingue-se da ansiedade normal quando é exagerada, desproporcional em relação ao estímulo, fora do padrão de determinada idade e, principalmente, quando se assiste a uma interferência na qualidade de vida e a rotina da criança.

Perante estas situações, e para que possamos distinguir se os medos já não são numa “quantidade útil” para um adequado desenvolvimento, deveremos questionar se estes estarão a interferir no desempenho e funcionalidade da criança. Há situações em que as respostas ansiosas surgem de forma abrupta, com preocupações muito exacerbadas, dificilmente controláveis e que aumentam a percepção de incapacidade da criança para ultrapassá-los, provocando sofrimento.

Se a criança se encontra em permanente híper-vigilância a estímulos ameaçadores – por exemplo, barulhos no escuro, medo ao deitar, originando temor de ir para a cama sozinho -, evitando as situações que receia, o medo deixa de ser transitório e este pode transformar-se em fobia. Marcada por medos excessivos, fora do controlo da criança, duradoura e inadequada à idade, a fobia interfere com o quotidiano da criança e será o sinal de que ela estará a experienciar um mal-estar que ultrapassa o típico medo do “monstro debaixo da cama”.

Perante este cenário, os sintomas de ansiedade são significativos e suficientemente importantes para serem alvos de atenção e merecerem a mais atempada intervenção. Enquanto pais de um filho excessivamente medroso poderão ser boas estratégias encorajá-lo a abordar os seus medos e servir de modelo, para que os confronte imitando o comportamento dos pais. Paralelamente, deverão também ser promovidas as suas competências sociais e fomentada a sua auto-estima, para uma maior valorização de si mesmo nos diferentes domínios, logo, para a supressão de medos mais atípicos em determinada idade.

Cláudia Chasqueira – Psicóloga Clínica
CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão
Texto publicado pelo Público a 13/11/2015 

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