2016/04/18 – Alienação parental ou as crianças de papel

Imagine uma criança que conhece. Pode ser o seu filho ou o filho de uma amiga. Ou uma criança sua vizinha com quem se cruza no elevador. Agora, como se essa imagem que tem na cabeça fosse de papel, rasgue-a ao meio, como quem rasga uma fotografia. Metade da criança para cada lado. Uma criança rasgada como se fosse de papel…

Falar de alienação parental é falar de um fenómeno complexo. Para ser mais correcto: falar de alienação parental é falar de vários fenómenos diferentes, porventura com a mesma consequência: enorme sofrimento psicológico.

Em 1985, Richard Gardner referiu-se aos problemas emocionais adquiridos por crianças envolvidas em processos de divórcio litigiosos que resultavam no afastamento de um dos progenitores como Síndrome de Alienação Parental.

Este psiquiatra descrevia esses sintomas com características depressivas, ansiosas e agressivas, como resultado das situações em que as crianças eram trazidas para o centro do conflito conjugal, ampliado pela separação e divórcio, sendo, de forma implícita ou explícita, levadas a tomar partido de e por um dos progenitores a odiar o outro.

Gardner teve o mérito de chamar a atenção para os graves problemas emocionais que as crianças podem sofrer nestas situações, que se prolongam para lá das batalhas legais nos tribunais, dos anos de espera por decisões que, em muitos casos, nunca conseguem trazer a paz e a tranquilidade necessárias para se reconstruir…

Mas mantêm-se até aos dias de hoje explicações demasiado simplistas, lineares, sobre as causas, sobre os culpados e sobre as vítimas, que passam para a opinião pública e para os próprios intervenientes dos processos judiciais.

Neste sentido, distinguir o Síndrome de Alienação Parental da Alienação Parental é muito importante.

Síndrome de Alienação Parental é um processo individual, interno. São as feridas emocionais que ficam de se perder um dos pais… É um luto dificílimo de fazer porque se assistiu à morte (emocional, simbólica) de um dos pais pela mão do outro que nos diz que o fez para nos defender…

Alienação Parental é um processo relacional, consciente ou não, com início ainda antes da separação e do divórcio, no qual os filhos são conduzidos para uma relação muito próxima e intensa com um dos progenitores e para uma relação distante com o outro.

O primeiro é, quase sempre, uma consequência do segundo.

É igualmente importante compreender que “dentro” da Alienação Parental se têm metido muitas coisas diferentes.

São diferentes as situações em que as relações pais-filhos já estavam perturbadas antes da separação. Em que um dos progenitores, mais ou menos consciente, com mais ou menos justificações, delegava no outro toda a responsabilidade com os filhos. Era “ausente”, como está na moda dizer.

São diferentes as situações em que existe psicopatologia. Em que as pessoas ou as famílias como um todo foram incapazes de se adaptar a crises ou mudanças ao longo da sua vida e ficaram doentes, durante muito tempo e tantas vezes sem ajuda: reacções patológicas à morte de alguém, desilusões das suas expectativas no casamento ou na carreira, graves depressões no pós-parto…
São diferentes as situações em que existiu violência doméstica, em que existiram abusos físicos, sexuais ou psicológicos. No casal, com os filhos e em que a sobrevivência e a protecção se tornaram uma forma de vida.
São diferentes as situações em que alguém rapta uma criança e foge para outro país ou para outra cidade e planta a semente do medo. E o paradoxo: “tiro-te a mãe/pai para que não te tirem de mim…”
São diferentes as situações em que alguém se sente magoado e zangado, às vezes traído (nas suas esperanças, no seu amor) e não entende que este é um processo interior de superação (mais um luto…). E entra numa guerra quando o que precisa é encontrar uma nova paz. E deseja destruir (o outro) quando o que precisa é de se reconstruir. E não sabe que quando se destrói um dos pais se destrói uma parte dos filhos.

Distinguir dentro da Alienação Parental estas diferenças não se trata de um exercício teórico. Compreender aprofundadamente o processo é fundamental para que psicólogos individuais e de família, mediadores, advogados e especialistas em direito da criança e os tribunais de família consigam intervir de forma adequada com as crianças, jovens, pais, avós. É fundamental para que todos encontrem novos equilíbrios e que os filhos não percam nenhum dos pais e os pais não percam nenhum filho… Evitar o que é comum a todas as alienações. Ainda se lembram? Isso… O enorme sofrimento psicológico e crianças rasgadas ao meio.

Rui Martins – Psicólogo Clínico e Terapeuta Familiar
CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão
Texto publicado pelo Público a 18/04/2016

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