2019/12/15 – Dificuldades na matemática ou discalculia?

As dificuldades na disciplina de Matemática são comuns entre os alunos portugueses. Várias crianças e adolescentes apontam a Matemática como a disciplina de que menos gostam, ou a mais difícil, o que muitas vezes é já uma continuidade da opinião dos próprios pais. Por isso, quando uma criança apresenta dificuldades precoces na aprendizagem da matemática nem sempre lhes damos a devida importância, ao contrário do que acontece na leitura e escrita. No entanto, algumas destas crianças poderão ter Discalculia, uma perturbação neurobiológica que se caracteriza exatamente por dificuldades específicas na compreensão dos conceitos matemáticos.

O que é a Discalculia? Uma “dislexia” da matemática?

A discalculia foi identificada pela primeira vez em 1974, pelo investigador Checoslovaco Ladislav Kosc, e foi descrita como uma “dificuldade específica no desempenho matemático, apesar da evidência de um funcionamento cognitivo normal”. Kosc distinguiu ainda entre a discalculia de desenvolvimento, que se manifesta ao longo do desenvolvimento da criança, e a discalculia adquirida, manifesta após uma lesão cerebral e que pode surgir em qualquer fase da vida.

De uma forma genérica, podemos descrever a Discalculia como uma dificuldade consistente e significativa em entender e aplicar conceitos matemáticos, tais como contar (verificam-se especiais dificuldades na sequência entre 10 e 20, em particular no 13 e 19), decompor números (as crianças com discalculia entendem cada número como um conceito rígido e não percebem intuitivamente, por exemplo, que o 5 tanto pode ser igual a 4+1 como a 2+3) ou compreender o valor posicional dos algarismos (por exemplo o 6 dá origem a um valor diferente caso esteja na casa das unidades, dezenas, centenas ou milhares).
Qual a causa da discalculia?
Acredita-se que a discalculia tem origem numa disfunção nas áreas cerebrais do processamento matemático e que tem uma componente genética, ou seja, vem já codificada no genoma do indivíduo. Apesar desta componente “pré-determinada”, o cérebro é um órgão altamente plástico e adaptável e os estímulos do ambiente podem reestruturá-lo até certo ponto. Uma intervenção adequada pode assim melhorar significativamente o desempenho matemático de um indivíduo.

Como se faz um diagnóstico?

Estima-se que 3% – 6% da população sofra de discalculia.
Para efetivar o diagnóstico, é necessário confirmar que a criança apresenta uma inteligência normal e que as suas dificuldades na matemática não sejam melhor explicadas por dificuldades de leitura, escrita ou atenção (embora a Discalculia possa estar associada a Dislexia ou a Défice de Atenção).

Desta forma, uma criança com Discalculia apresenta geralmente, pelo menos, algumas das características seguintes:
– Atraso ou dificuldade persistente em contar;
– Atraso ou dificuldade invulgar na capacidade de resolver problemas matemáticos;
– Dificuldade em memorizar números numa sequência;
– Dificuldade em operações matemáticas específicas, como somar, subtrair, multiplicar ou dividir);
– Dificuldade ao nível das capacidades de organização;
– Baixa habilidade para fazer estimativas, incluindo de tempo;
– Pouco sentido de orientação; 

Obviamente que a observação de alguns destes sinais, ou mesmo a sua maioria, não configura um diagnóstico mas antes indica que a criança deve ser avaliada por um especialista. É muito importante que estas crianças comecem a receber apoio específico ainda durante o 1º Ciclo de modo a que as suas dificuldades possam ser resolvidas e não condicionar as restantes aprendizagens matemáticas, cuja complexidade aumenta muito a partir do 2ºCiclo.

Como se intervém na discalculia?

Relativamente ao trabalho de reabilitação destas crianças, é muito importante construir planos de intervenção diferenciados e ajustados às especificidades de cada um. Recomenda-se a utilização de materiais concretos, que permitam à criança visualizar e manipular o que até aí eram conceitos abstratos, e recorrer a estratégias práticas, que enquadrem a matemática e os problemas matemáticos no mundo real e nas experiências e vivências da criança. De facto, é muito diferente explicar à criança que 5 é o mesmo que 3+2 ou 4+1 ou mostrar-lhe 5 rebuçados e pedir que os agrupe de diferentes formas, explicando que independentemente da sua disposição continuam sempre a ser 5. Outro aspeto importante é pedir à criança que verbalize sempre as suas estratégias de resolução e o que está a pensar sobre o problema, e fazê-lo também nós próprios quando estamos a trabalhar Matemática com a criança. Ajudar as crianças com discalculia passa muito por tornar concreto aquilo que é abstrato, e por fornecer estratégias metacognitivas que possam otimizar os seus desempenhos.

Em suma, a discalculia é uma dificuldade que não deve ser ignorada ou minimizada mas que, com a avaliação e intervenção adequadas, pode ser ultrapassada. O diagnóstico precoce, de preferência logo nos anos iniciais da escolaridade, é decisivo para o sucesso da intervenção, evitando que as dificuldades se cristalizem e que os conteúdos não adquiridos se acumulem. O tipo de intervenção escolhido – aconselham-se atividades muito práticas, com materiais concretos e manipuláveis, jogos, desafios, etc – pode igualmente fazer toda a diferença. A experiência no trabalho com crianças com discalculia mostra-nos que, com o acompanhamento certo e com o envolvimento adequado e coordenado da escola e da família, estas crianças podem vir a ser bons aprendizes de matemática.


Sandra Sobreira – Psicóloga Educacional
CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão
Texto publicado pelo Público a 15/12/2019

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