
Nos consultórios de Psicologia, as queixas de comportamentos autolesivos, em particular os cortes em adolescentes, têm vindo a aumentar. A investigação sugere que ocorrem cada vez mais cedo e são mais frequentes nas raparigas, estando associados a acontecimentos de vida stressantes. Muitas destas jovens têm dificuldades na regulação do humor e no controlo de impulsos, traços de personalidade perfeccionista, dificuldades no relacionamento social e na resolução de problemas.
Os casos que chegam aos consultórios de Psicologia não serão os mais sérios, por comparação com aqueles que recorrem às urgências médicas, mas são, ainda assim, muito preocupantes e sentidos como “incompreensíveis” pelos adultos que solicitam apoio para os seus jovens.
O mundo dos adolescentes gira à volta da família, dos amigos e da escola. Várias perturbações podem surgir em vários contextos e provocar um sofrimento que precisa de ser verbalizado. A solidão está agora acentuada pela situação de pandemia e o relacionamento virtual não favorece a partilha espontânea das emoções negativas.
Num mundo em que adultos e crianças têm a “agenda” cheia, pouco espaço para a comunicação afetiva e em que as redes sociais são utilizadas para veicular uma imagem “perfeita” de si, os jovens, abandonados, não têm a quem contar a sua história e, não poucas vezes, entram em desespero.
No essencial, a automutilação é uma forma silenciosa de lidar com uma dor emocional demasiado intensa e para a qual o jovem não encontra solução. Os cortes aparecem como uma “automedicação” que evita a tomada de consciência das emoções dolorosas, convertendo-as numa dor física controlável.
O que podem os adultos fazer perante um adolescente em risco? Deixamos algumas sugestões:
– Garantir um espaço seguro de relação e comunicação: sem preconceitos nem julgamentos, dando voz ao adolescente e validando as suas emoções;
– Contar com a ajuda de vários profissionais de saúde: médico de família, pedopsiquiatra, psicoterapeuta para realizar uma avaliação médica e psicológica do jovem e iniciar um plano conjunto de tratamento que deverá continuar para além da eliminação do comportamento autolesivo, tendo em conta a necessidade de autoconhecimento, aumento da autoestima e do autocuidado e a aprendizagem de estratégias construtivas de identificação e resolução de problemas;
– Procurar informação detalhada sobre o assunto: em fontes seguras e credíveis; conhecer os serviços e linhas SOS que o podem apoiar e ao seu adolescente – por exemplo, Aparece Saúde Jovem, SOS Voz Amiga, SOS Estudante;
– Apostar na alfabetização emocional: mesmo enquanto adultos, estamos pouco treinados para identificar as nossas emoções e as emoções dos outros e para encontrar estratégias saudáveis para lidar com a ansiedade e a depressão. Uma sugestão que deixamos é a de ler autores que escrevem sobre inteligência emocional (como Daniel Goleman). Também pode considerar a inscrição em workshops e cursos de inteligência emocional.
É importante que o(s) adulto(s) responsáveis pelo adolescente estejam atentos às suas próprias necessidades, sabendo solicitar o apoio emocional e prático de familiares e amigos próximos, recorrendo também à ajuda de profissionais de saúde para refletir e elaborar emocionalmente o problema que enfrentam e usufruir de atividades de relaxamento. O exemplo de autocuidado perante uma situação tão stressante é de uma enorme ajuda para o seu adolescente.
“Por favor…Prende-me a ti!” disse a raposa ao principezinho. Ele, apressado, respondeu: “Eu bem gostava, mas não tenho muito tempo.” Ela insistiu. “Só conhecemos as coisas que prendemos a nós. Os homens, agora, já não têm tempo para conhecer nada. Compram as coisas já feitas nos vendedores. Mas não há vendedores de amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti! “. “E o que é preciso fazer?” – perguntou o principezinho?
A pergunta que surge em “O Principezinho”, escrito por Saint- Exupéry, em 1943, continua hoje a ser feita por pais e adolescentes e a resposta de Saint-Exupéry permanece muito válida. Está lá (quase) tudo o que é preciso saber…
Carmo Cruz – Psicóloga Clínica/Psicoterapeuta do CADIn
CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão
Texto publicado pelo Público a 21/03/2021
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