2021/04/25 – E tudo recomeça com “era uma vez…”

Era uma vez uma pequena sonhadora que, aquando da chegada do pai a casa, pergunta aos saltinhos: que livro nos trazes hoje? Os risos anunciavam a partida para uma viagem, com um entusiasmo contagiante, maravilhando-se com tudo o que iriam descobrir.

Sem me dar conta, fiz uma viagem no tempo, e recordei esse sentimento de uma outra menina que ansiava pela chegada do avô e daquele bilhete para o mundo dos sonhos, sempre acompanhado por um bilhete real, com uma doce mensagem. Não me recordo das palavras ditas, recordo-me sim, dos gestos e emoções. Lembro-me de ter ficado surpreendida ao ver que o livro afinal, era velho…

A minha avó, protegendo ambos do embaraço, ao observar o meu nariz empinado de descontentamento, explicou-me que era um livro muito viajado por pequenos sonhadores, o que fez dele um companheiro, repleto de sonhos.
Sem dúvida, ela sempre teve este dom de romancear.
Esta minha avó era uma leitora exímia, de palavras e das pessoas, numa casa onde os livros, histórias, canções e poemas se sentavam à mesa.

Lembro-me de sonhar em ter uma casa com uma biblioteca e um limoeiro; entrar numa sala e percorrer títulos e títulos de livros que rapidamente se transformavam num monte ideias a fluir.
Lembro-me de rir perdidamente com amigas minhas sobre os livros que trocávamos, ou mesmo de termos uma fúria coletiva contra um final indesejado, com direito a lágrimas e tudo.
Recordo do primeiro livro que comprei e que o facto de nunca o ter lido, levou-me a soltar uma gargalhada por me ter apercebido onde esse bilhete me trouxe…a uma casa com dois pequenos saltitantes por livros.

E tudo recomeça com “era uma vez…”. Curiosamente, para algumas de nós, mães, é durante a gravidez que nos agarramos a este “era uma vez”, lendo e relendo, até acalmar os receios que se avizinham pelo “Admirável Mundo Novo”.

Este início de contos, estes recomeços, trazem-nos alguma acalmia, “dão-nos colo”….

Ao longo da infância, passamos por fases em que os desafios são “gigantes”, tanto para as crianças como para os pais. Uns, pelo imaginário fértil em que tudo é possível, outros, porque precisam de acreditar no “Peter Pan” e inspirar uma criatividade para explicar, acalmar, atenuar medos recorrentes do próprio crescimento. Neste sentido, os livros podem ser companheiros na descoberta do mundo.

Lembro-me de ler histórias sobre “birras” e o “não”, tão usual na fase de afirmação dos mais pequenos.

Através destas viagens, introduzimos discretamente outros viajantes que, por analogia, partilham connosco sentimentos, seja pelo ratinho com coragem de leão, um coala angustiado pelas alterações repentinas de vida, ou por uma princesa Valentina, cheia de valentia.
Sonhos, criatividade e emoções, são esses os heróis que movimentam o nosso mundo, onde nos tornamos cavaleiros e princesas e derrubamos alguns dragões, porque outros, ao serem apaziguados, tornam-se nossos companheiros.

Mas ainda não terminámos. É sempre difícil fechar estas portas mágicas porque outras se abrem, através dos “porquês” e de exaltações ou sorrisos de felicidade, promissores de novos sonhos.
Muitas vezes repete-se a mesma história e é esse o segredo de muitos bilhetes que conduzem à interiorização de algo invisível aos olhos dos adultos.
A curiosidade e espontaneidade têm uma energia muito particular; é no que as crianças acreditam, e talvez por isso o brilho do seu olhar tenha uma outra vivacidade.

LEIAM! Porque as histórias dão colo, e colo é amor…e só através das emoções podemos encetar esta viagem que nos conduz a bons sonhos.

Vanessa Costa – Psicóloga Clínica do CADIn 
CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão
Texto publicado pelo Público a 25/04/2021

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