2021/10/03 – Amizades atypicas: relações de amizade na perturbação do espetro do autismo

No dia 30 de julho foi celebrado o dia Internacional da Amizade, na mesma altura em que estreou a 4ª temporada da série Atypical, na Neflix. A série retrata a vida de Sam, um jovem com Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) que navega o mundo social e os seus desafios, através das suas relações familiares, amorosas e de amizade. Mas, afinal, como é vivida a amizade pelas pessoas com PEA?

Muitas vezes as pessoas com PEA são percebidas como alienadas, antipáticas, antissociais e até rudes. É frequentemente posta em causa a sua motivação para estabelecer relações de amizade e o significado que lhes atribuem. Até hoje, ainda se ouve o mito de que as pessoas com PEA não têm interesse em ter amigos.

De facto, a PEA é caraterizada por défices persistentes na comunicação e na interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento. Estas caraterísticas podem ter um impacto negativo em áreas essenciais para estabelecer relações de amizade. Vejamos…

  • Papel de Amigo: Numa relação de amizade é esperado apoio mútuo. Um amigo é alguém que está presente nos momentos difíceis. No entanto, pessoas com PEA podem ter dificuldades em compreender as pistas não verbais que indicam o que é esperado numa interação social. Por vezes é necessário explicar claramente quais são os comportamentos desejados, prejudicando a fluidez da relação.
  • Empatia: Para poder prestar apoio a um amigo, é importante a capacidade de se colocar no seu lugar, compreender o que estará a sentir e qual a sua experiência. As pessoas com PEA têm défices na compreensão das expressões faciais e outras pistas não verbais, dificultando a sua compreensão das emoções nos outros.
  • Flexibilidade: Na amizade, muitas vezes é necessário ser flexível e compreender diferentes perspetivas. As pessoas com PEA têm uma maior dificuldade em procurar soluções alternativas e adaptar-se a situações novas que estão presentes em vários contextos nas relações de amizade: conhecer pessoas novas, visitar sítios novos.
  • Valorização do outro: Numa relação de amizade significativa, os amigos devem ser vistos como um fim em si mesmo, e não apenas como acessórios ou companhia. Para as pessoas com PEA, por vezes é difícil expressar pistas sociais não verbais que demonstrem que estão realmente interessados na outra pessoa.
  • Proximidade física: Em tempos de COVID, muitas pessoas sentiram a falta do contacto físico com familiares e amigos. Este contacto é parte integrante das relações, e para as pessoas com PEA é difícil compreender qual a quantidade de contacto adequado. Algumas pessoas com PEA mantêm-se afastadas fisicamente, enquanto que outras podem ficar demasiado perto.

Apesar destas dificuldades, as relações de amizade são preditoras de uma maior sensação de bem-estar subjetivo, bem como protetoras da saúde mental. As pessoas com PEA não são a exceção à regra. Muitas vezes procuram ter relações de amizade, que podem estar associadas a experiências frustrantes e alguns fracassos.

Cabe a cada um de nós ser agente facilitador destas relações: ser claro e direto relativamente ao que é esperado da pessoa na relação, expressar verbalmente sentimentos e emoções, pedir apoio diretamente, avisar com antecedência possíveis alterações de planos ou novidades…

…E acima de tudo, estar disponível para uma nova amizade!

Beatriz Carvalho – Psicóloga Clínica do CADIn 
CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão
Texto publicado pelo Público a 03/10/2021

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