2022/11/06 – Na escola: um olhar sobre a criança institucionalizada

Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos” Saint-Exupéry

Em Portugal, o sistema de proteção à infância, atua em função da sinalização de perigo, na aplicação de medidas de promoção e proteção dos direitos da criança.

A Convenção dos Direitos da Criança, ratificada pelo Estado Português em 1990, define que CRIANÇA é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei lhe for aplicável atingir a maioridade mais cedo (Artigo 1º); e confere-lhes o direito à proteção, entre outros contra todas as formas de violência física ou mental (Artigo 19º), que causam mal-estar físico, psicológico, emocional, comportamental e relacional. Estudos científicos apontam para uma alta incidência de sentimentos de estigma, vergonha, culpa, medo, ansiedade, distúrbios de humor e neurológicos e dificuldades de aprendizagem, como consequência destas vivências disruptivas.

A Lei 147/99 da Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) preconiza a defesa do seu superior interesse e quando as medidas de intervenção em meio natural de vida não protegem a criança do perigo, cabe ao Estado o dever de aplicação de procedimentos mais gravosos, como a colocação da criança em acolhimento residencial.

Diz o provérbio africano é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança e a comunidade escolar é de vital importância nesse processo. A motivação para as aprendizagens escolares e para a integração no grupo de pares fica, por vezes, comprometida pelas adversidades e (sobre)vivência traumática.

Os professores/ educadores ocupam uma posição privilegiada para mobilizar fatores de sucesso e minorar os efeitos destas vivências na vida da criança, afigurando-se como:

O adulto mais constante e consistente na vida da criança: é na escola que a criança está grande parte do dia, “Quem está de turno hoje?” é uma pergunta comum no trajeto escola-casa, já que os educadores trabalham por turnos.

Um trampolim na socialização: a escola é um lugar rico de troca de experiências e interação com os pares. O professor/ educador é um mediador fundamental, na promoção do direito de brincar e na participação ativa na comunidade.

Promotor da responsabilidade e autonomia: Por vezes em acolhimento, os dias sucedem-se com a Manuela alterada, o André com convulsões, o Ricardo com birras… entre banhos, jantar, telefonemas de familiares e histórias de embalar. Um educador informado na casa de acolhimento, pode lembrar a criança das suas “obrigações” (TPC, autorizações, material e visitas de estudo). Um canal de comunicação rápido e efetivo entre a escola e a casa de acolhimento promove a autonomia das crianças e garante as condições necessárias ao seu desenvolvimento.

Promotor do sentido de pertença e identificação: identificar-se e sentir-se pertença do espaço escolar potencia a autoestima e é fundamental no desenvolvimento harmonioso da criança. Acolher e respeitar a condição de cada criança, promovendo, por exemplo, a celebração do Dia da Família, em que cabem todas as figuras significativas que com ela estabelecem laços firmes e afetivos, é promover a sua inclusão. Há tantas formas de se ser família!

Vital na quebra do ciclo de negligência, maus-tratos e/ou abuso: A motivação para aprender é potenciada por momentos de proximidade e de compreensão empática, assim como atuar na raiz dos problemas e acreditar que a mudança é uma possibilidade real. A educação formal é uma ferramenta de transformação, que rompendo com o absentismo, abre novas janelas de oportunidade.

Agente motor das experiências de bom trato: Constituindo-se como adulto de confiança, sensível às necessidades de cada criança, percebe mais eficazmente os seus sinais. Ao disponibilizar-se para a partilha dos mesmos, com os demais intervenientes da vida da criança (família, técnicos e outros), o professor/educador facilita o bom desenvolvimento integral da mesma e por conseguinte o sucesso emocional, pessoal e escolar.

Com a sua tenra idade, na mochila, levam para além do material escolar, uma bagagem de esperança, para que possam na escola, como qualquer outro, ser CRIANÇA!

Cláudia Lopes – Psicóloga
CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão
Texto publicado pelo Público a 06/11/2022

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