2016/01/15 – Imaturo para a escola primária?

A partir do dia em que nascem, todas as crianças têm uma data marcada para entrar para o 1.º ciclo e isto acontecerá aproximadamente quando fazem 6 anos. Contudo, esta prontidão, cronologicamente determinada pelo sistema educativo português, nem sempre deixa pais, educadores e professores convencidos de que a criança “está preparada”.

É frequente surgirem algumas dúvidas e por vezes é mesmo necessário optar por enquadramentos diferenciados, tais como o adiamento da escolaridade ou o apoio pedagógico, por exemplo. Facto é que a queixa de “imaturidade” é pouco clara e imprecisa e esse conceito vago pode esconder uma necessidade real e que deve obter resposta o mais cedo possível.

“É muito trapalhão a falar…”
Actualmente já se conhecem alguns preditores de dificuldades de aprendizagem, isto é, indicadores que se podem observar, ainda em idade pré-escolar, e que permitem antever dificuldades em determinadas áreas curriculares. É até possível prever, com alguma exatidão, o risco de uma criança vir a apresentar uma dificuldade de aprendizagem específica, como é a dislexia.

A linguagem está entre os preditores mais referidos na literatura sobre dificuldades de aprendizagem. Os obstáculos na articulação, a dificuldade em discriminar sons, na nomeação e na consciência fonológica (noção dos sons da língua, sensibilidade a rimas, cantilenas etc.) resultam muitas vezes em dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita.

Ainda assim, algumas situações relatadas como “troca letras a falar” ou “é muito trapalhão quando fala” podem ser transitórias e ultrapassadas quando encaminhadas para o acompanhamento de um profissional especializado.

“Não desenha bem as letras e os números.”
A motricidade fina, a par com a orientação espacial e percepção visual, são outras competências pré-académicas significativas no sucesso escolar. É esperado que uma criança com 5 anos comece a reconhecer algumas letras e consiga escrever o seu nome, numa primeira fase a copiar e depois espontaneamente. O reconhecimento de letras e a escrita do nome próprio são outras duas capacidades que apresentam uma relação forte com a futura aprendizagem de leitura e escrita.

Quanto à matemática, é importante que a criança conte pelo menos dez objectos e que domine o raciocínio necessário para resolver problemas simples, de cabeça, como “O João tinha três berlindes. A mãe deu-lhe mais dois. Com quantos ficou?”.

O irmão tem dislexia e foi detectado tarde… Não queremos que o mesmo se repita.”
A presença de antecedentes familiares de dificuldades de aprendizagem não deve ser desvalorizada. Vários estudos apontam para fatores hereditários em muitos dos problemas que causam dificuldades em aprender. A própria dislexia tem uma base genética pelo que se encontra frequentemente em irmãos, em pais ou filhos. A preocupação em detectar o mais cedo possível uma dificuldade de aprendizagem é legítima, determinante e sabe-se hoje que quanto mais cedo forem detetadas as dificuldades e desencadeados os apoios especializados, maiores as probabilidades de sucesso.

“Ainda gosta muito de brincar.”
Brincar é uma das actividades mais importantes que uma criança pode fazer no jardim-de-infância e isto aplica-se também em casa. Os pais, muitas vezes preocupados com a transição dos filhos para a escola primária, assumem a responsabilidade de fazer tarefas educativas em casa. O que realmente pode fazer a diferença? Conversar, brincar e ler em conjunto: criar o hábito de ler uns minutos por dia e conversar sobre os livros que se leram, fazer um balanço do dia que passou ou antever o fim-de-semana que está para vir, podem ser momentos de qualidade em família e promover a aprendizagem e o crescimento.

A brincar aprende-se a esperar pela vez, a planear e aplicar estratégias para resolver problemas e a resistir à frustração. Brincar é a atividade de excelência para desenvolver as competências sociais e as relações com os outros.

“O que podemos fazer?”
Se existem dúvidas sobre as aprendizagens aquando da entrada para o 1.º ano, o caminho a seguir é falar com a educadora, perceber melhor as áreas mais frágeis em comparação com o grupo e procurar uma avaliação psicopedagógica.

Existem alguns cenários possíveis, nomeadamente o adiamento do arranque do 1.º ciclo ou desencadear o acompanhamento por um técnico especializado que facilite esta transição e ajude a promover as competências pré-académicas em falta. No caso de se optar pelo pedido de adiamento este deve ser requerido até 15 de maio do ano escolar imediatamente anterior ao pretendido para adiamento e deve fazer-se acompanhar sempre de um parecer técnico fundamentado, que inclui uma avaliação psicopedagógica da criança.*

A decisão é muitas vezes difícil de tomar e pesam também fatores de ordem emocional da criança como o acompanhar ou não o grupo de pares, o ficar desmotivada com a repetição de conteúdos ou a insegurança gerada por se ver confrontada com aprendizagens para as quais não tinha maturidade. Por tudo isto os pais devem tentar reunir o máximo de informação possível e procurar ajuda.

Sílvia Lapa – Terapia da Fala e Educação Especial e Reabilitação
CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão
Texto publicado pelo Público a 15/01/2016 

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